top of page

MÍDIA NEWS

Qual será a nova âncora fiscal?


Dentre as ideias econômicas dos candidatos nas eleições presidenciais, o mercado deve focar sua atenção nas propostas para o arcabouço fiscal - principalmente diante das mudanças feitas no teto de gastos em 2021, que não garantem mais uma melhora fiscal no médio prazo. Várias propostas devem ser postas à mesa, e por isso é importante ter em mente o que uma boa regra fiscal deveria aportar ao país. Adiantando a conclusão: a ideia que mais vem sendo debatida - a de uma meta para a dívida pública - traz riscos de execução importantes, e provavelmente precisaria ser acompanhada de metas operacionais para garantir um resultado fiscal sem distorções ou truques.


De acordo com a literatura, três propriedades são cruciais para a eficácia da regra fiscal: ser simples, ser flexível e ter credibilidade de execução. Por flexibilidade leia-se: prever espaço para acomodar eventos adversos; e por exequível, definir objetivo e punições que garantam o compromisso com a política sem travar a fluidez da execução do Orçamento.


Ao meu ver, a regra do Teto de Gastos continha duas destas três propriedades. Era simples: consistia em limitar o crescimento dos gastos primários à inflação passada divulgada. Críticas à parte, era flexível, pois contava com cláusulas de exceção para adequar as despesas em cenários adversos imprevisíveis e urgentes - tanto que não precisou ser alterada no contexto da resposta à pandemia. As transferências de renda e gastos feitos em 2020 foram contabilizados como créditos extraordinários e somaram R$ 524 bilhões em 2020 (7% do PIB), sem descumprir o teto. A regra falhou na rigidez quanto à execução, em específico nos riscos jurídicos envolvidos para os executores do Orçamento e na falta de clareza das punições no caso de seu descumprimento. A pressão por expansão fiscal e os riscos jurídicos envolvidos foram os combustíveis para a aprovação das PECs que modificaram a lei do teto.


O limite de dívida também pode não conter estas três propriedades. Diversos fatores compõem sua dinâmica: por exemplo, a inflação incrementa as receitas, e a taxa de juros acelera a alta da dívida. Neste sentido, apesar da regra parecer simples, não é simples averiguar se o cumprimento da regra foi por disciplina fiscal, por aceleração inflacionária (como em 2021) ou por aperto monetário. Sem falar dos demais critérios. Se a meta for a relação dívida/PIB, também haverá uma limitação de flexibilidade; um choque adverso que contraia a produção torna a meta mais restritiva, o oposto do desejável. Afora, o exemplo da possibilidade de retirada das operações compromissadas (11% da dívida pública) - um risco à credibilidade da nova âncora.


Segundo o FMI, a meta de dívida traz o dilema entre conter o risco de sobre-endividamento e garantir espaço para financiar as necessidades de desenvolvimento tão relevantes para as economias emergentes. A recomendação é a adoção como objetivo de médio prazo aliado com regras operacionais que orientem a condução da política fiscal no curto prazo. Mesmo porque, é mais simples assegurar a flexibilidade e o funcionamento dos estabilizadores automáticos, como transferência de renda, via cláusula de escape nas regras de despesas.


Somos um país emergente, temos fragilidades institucionais, comerciais, dependência tecnológica e de financiamento externo. Nosso histórico fiscal contribui para o aprofundamento dessas características. Segundo a pesquisa Focus, o consenso projeta trajetória ascendente da relação dívida/PIB até 2026. Estamos entre as economias emergentes com maior endividamento públicos e continuaremos nesta cercania, a menos que algo estrutural mude. Acredito que a redefinição das âncoras fiscais é de extrema relevância na construção do cenário dos próximos anos. E suas regras não estão escritas em pedra, que não possam ser revistas. Aliás, quanto mais ampla for a discussão, melhor - para que o tema esteja maduro para o próximo ano.


Uma regra fiscal crível favorece a continuidade do fluxo de capitais para o país, reduzindo pressões cambiais e preservando poder de compra da moeda; também promove a eficiência dos gastos, o que ajuda no crescimento; e amplia a capacidade de pagamento da dívida, o que reduz as taxas de juros.


Mesmo com a mania brasileira de criar regras apenas para subvertê-las com o tempo, ainda vale a pena insistir em propor novas regras. Afinal, a Lei de Responsabilidade Fiscal nos trouxe um superávit anual médio de 3% nos primeiros 10 anos após sua aprovação; e mesmo o teto de gastos, em sua curta vida, aumentou a pressão pela aprovação da reforma da previdência e rompeu a tendência crescente das despesas, estabilizando-as em 19% do PIB. Talvez a próxima regra fiscal morra como todas as suas antecessoras, mas ainda assim contribua por uma melhora fiscal em alguns anos. Já é alguma coisa.


Por: Tatiana Pinheiro é economista-chefe e sócia da Panamby Capital

bottom of page