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MÍDIA NEWS

O mundo caminha para estagflação ou para recessão?


Após a forte recuperação econômica mundial de 2021, é inevitável que o debate seja sobre o quão próximos estamos da contração. Isto porque períodos de expansões são usualmente seguidos por períodos de contrações na história econômica mundial. Somam-se a isso os riscos de desaceleração mais forte na China e de extensão da guerra da Rússia e Ucrânia para outros países do Leste Europeu, e a resultante é o aumento das preocupações com o crescimento mundial nas últimas semanas. Entre as possibilidades, acredito que a estagflação - mais inflação e menos crescimento - é a mais provável. Uma recessão global, embora não impossível, me parece improvável na ausência de novos choques adversos ou intensificação dos choques atuais.


As revisões das projeções de crescimento e inflação desde o início do ano já mostram o consenso se movendo para a estagflação. Entre outubro de 2021 e abril passado, o FMI revisou crescimento mundial de 4,9% para 3,6%, a inflação das economias avançadas de 2,3% para 5,7% e das emergentes de 4,9% para 8,7%. Observamos a mesma tendência na pesquisa da Bloomberg, que mostra o consenso para o crescimento mundial migrando de 4,4% para 3,5% e a inflação, de 3,9% para 5,9%.


Pensando bem, não era para menos. As economias sofrem com outras duas forças: normalização/aperto monetário no mundo e o aumento do custo de vida que corrói a capacidade de consumo das famílias. A retirada dos estímulos monetários reduz a demanda no curto prazo, acentuando a desaceleração econômica já em curso. Os aumentos dos preços de alimentos e energia, cuja demanda é pouco flexível, implica um aumento da fatia do orçamento familiar alocado para estes bens; sofrem os bens duráveis, como autos, e o setor imobiliário, segmentos importantes na geração de renda na economia. Um efeito disso já se faz sentir, ainda que de forma incipiente, nos dados da inflação ao consumidor (CPI) nos Estados Unidos. A inflação de bens duráveis desacelerou de 17% em dezembro de 2021 para 14% em abril de 2022, com autos usados passando de 21% para 17%, na mesma comparação.


A combinação de mais inflação e menos crescimento parece dada; já o risco de recessão ainda não parece prevalente. Os indicadores econômicos divulgados nos EUA e na zona do euro após o início da guerra estão longe de sugerir recessão à vista. Os PMI - índice de expectativas dos gerentes de compra - ainda mostram robustez da atividade econômica e as taxas de desemprego estão nas mínimas históricas. Como ressaltado por Jerome Powell, presidente do Federal Reserve, o número de vagas abertas supera o número de pessoas procurando emprego desde o segundo semestre do ano passado, sendo que atualmente a criação de vagas é o dobro do número de desocupados. Mas, o cenário de inflação elevada e persistente indica que a política monetária necessária para desacelerar a demanda agregada pode ser mais restritiva que o planejado pelas autoridades, ou seja, o crescimento mundial deve continuar sendo revisado para baixo.


Também meus exercícios de probabilidade de recessão nos próximos 12 meses mostram que as chances são muito baixas nos EUA e são maiores na Europa devido ao impacto da guerra nas expectativas. Nestes exercícios relaciono a variável binária, que assume valor 1 no período de recessão, de acordo com a determinação da NBER e da OCDE, e 0, caso contrário, com os índices de atividade econômica, índices de condições financeiras e diferença entre taxa de juros de curto e longo prazo destas economias.


Com relação à China, a política de 'covid zero', que pode aumentar a desaceleração da economia e piorar os gargalos na cadeia produtiva mundial, tampouco parece ser suficiente para levar a uma recessão. As restrições de mobilidade social impostas nos principais polos industriais da China sugerem contração do PIB no segundo trimestre. Contudo, a combinação da alta parcela da população vacinada e a menor letalidade das variantes da Ômicron sugere que as restrições são temporárias e seus efeitos não se estendem para o terceiro trimestre. Contudo, o crescimento pode desapontar o consenso por motivos domésticos. No acumulado de 12 meses até março, o total de crédito segue em contração devido aos efeitos da retirada dos estímulos monetários no ano passado.


Ainda que uma recessão não seja o mais provável no curto prazo, o cenário de estagflação já é bastante ruim, principalmente para as economias emergentes. Com baixo crescimento e aceleração da inflação, as taxas de juros tendem a aumentar e o comércio mundial, a diminuir. Devemos esperar maior enfraquecimento das moedas contra o dólar, mesmo diante de ciclos de aperto monetários maiores à frente.


Tatiana Pinheiro, economista-chefe e sócia da Panamby Capital para o Broadcast+

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