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MÍDIA NEWS

A inflação não vai cair de madura

Por Tatiana Pinheiro, economista chefe e sócia da Panamby Capital

Chama atenção a disparada nas expectativas de inflação para este ano contrastando com o ajuste muito mais lento nas projeções dos analistas para 2023. Esta diferença sinaliza uma hipótese de que a desinflação será rápida, o que parece contrariar a experiência recente. Infelizmente, minhas estimativas indicam que o aperto monetário atual será insuficiente para causar uma queda tão rápida, o que sugere que o Banco Central terá que subir os juros mais do que o planejado.


Segundo a pesquisa Focus, a mediana das expectativas de inflação subiu 1,4 ponto porcentual para 2022 e apenas 0,3 p.p para 2023 do início do ano até semana passada. Se as relações econômicas refletidas no modelo de pequeno porte do BCB não mudarem, a revisão já feita na inflação de 2022 deveria - tudo mais constante - levar a uma revisão para cima na projeção de 2023 muito maior, exclusivamente por conta da inércia. Minhas estimativas indicam que o IPCA em 6,5% este ano (atual patamar projetado pelo consenso) deveria puxar a inflação do próximo ano para perto de 4,5% - bastante superior aos 3,7% da última pesquisa.


Afora as indicações empíricas, temos vários fatores que sugerem que o quadro atual é mais inflacionário do que o projetado pelo consenso. Basta uma análise das pressões latentes. Uma delas vem da sustentada alta dos preços no atacado. O IPA-DI mostra uma elevação, nos 12 meses encerrados em fevereiro, de 17,4% nos preços industriais e agrícolas. Este aumento é transmitido com defasagem e de modo parcial para o varejo; apenas a inflação ocorrida até o momento já sugere mais pressão à frente.


Além do impacto sobre os preços dos produtos em si, há o efeito secundário desta alta no atacado para os serviços - já que muitos deles usam produtos industriais ou agrícolas como insumo. Este repasse de custos impulsiona o processo de realinhamento entre preços de bens e serviços com o fim das restrições de mobilidade social. Há espaço, portanto, para aceleração adicional da inflação de serviços - que roda agora a 5,95%.


A estas pressões referentes ao passado, somam-se os efeitos inflacionários do choque de oferta causado pela guerra da Rússia com a Ucrânia, que afeta diretamente commodities importantes para a cadeia produtiva: petróleo, gás, metais, trigo e milho. O impacto imediato da guerra é mais visível no preço de combustíveis fósseis, que tem peso relevante no IPCA (9,25%). Mas o aumento do preço do petróleo afeta também os demais produtos petroquímicos, que abrangem plásticos (embalagens, peças e componentes de eletrodomésticos e eletrônicos), tintas, resinas, lubrificantes, produtos de limpeza e higiene pessoal; a soma destes itens pesa 6,8% no IPCA. Também temos os efeitos dos grãos sobre farináceos (peso de 1,9%), óleos (0,5%) e proteína (6,9%). E, devido à busca de combustíveis alternativos, pressão sobre outros alimentos industrializados (da cadeia do açúcar, 5,8%). Por fim, temos os impactos dos metais e plástico sobre os autos (5,6%). Ao todo, a importância dos bens que sofrem com o aumento das commodities produzidas pela Rússia e Ucrânia é de 27,5% no IPCA, ou seja, mais que ¼ do índice.


Estimo que esses itens, excluindo combustíveis, podem adicionar de 0,9 p.p. a 1,5 p.p. na inflação ao consumidor este ano. O piso deste intervalo acontece no caso da manutenção dos preços dessas commodities no patamar alcançado na semana passada, e o teto da projeção acontece com a escalada do preço do barril do petróleo para US$ 150 e de 50% a mais de alta dos preços atuais do trigo e milho. E os contrapontos para essas pressões ficam por conta da redução da bandeira tarifária, desonerações tributárias e subsídios, que têm grandes chances de ser inócuos.


Mesmo se a guerra acabasse nas próximas semanas, a regularização das produções ucranianas e russas não ocorreriam no curto prazo. Além disso, é muito provável que as sanções contra a Rússia serão mantidas no médio prazo; cenário de commodities sob pressão.


Diante desta dinâmica, qual a recomendação de política monetária? Maior ajuste de juros. Por um lado, parte da inflação atual e futura é fruto da pressão de demanda, principal resultado da expansão/fragilização fiscal. Por outro lado, mesmo que a alta das commodities devido a gargalos produtivos ou guerra configure um componente de oferta na inflação futura, a recomendação monetária segue sendo ajuste de juros principalmente para conter os efeitos inflacionários secundários que este choque causará, alimentando a aceleração inflacionária e o distanciamento das expectativas em relação às metas.


Não por acaso, o Copom sinalizou a possibilidade do ciclo de ajuste de juros se estender além dos 12,75% prometidos para a próxima reunião. Se minha tese estiver correta, as pressões inflacionárias terão efeitos secundários significativos e o banco central, por sua vez, seguirá prolongando o ciclo de ajuste de juros.


Tatiana Pinheiro é economista-chefe e sócia da Panamby Capital e escreve artigos para o Broadcast quinzenalmente, às sextas-feiras.

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