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MÍDIA NEWS

Vamos conversar sobre meta de inflação?


Tatiana Pinheiro economista-chefe e sócia da Panamby Capital, para o AE Broadcast+


Ocasionalmente o cinto aperta. Isto acontece com indivíduos, com empresas e com países e o que se observa é uma divisão entre comportamentos. Há quem tome providencias para se ajustar à situação mais restrita, há os que afrouxam o cinto (fugindo do desconforto) e os inertes, que negam o incômodo. De forma parecida, por vezes o debate sobre o arcabouço de meta de inflação emerge na esteira das crises domésticas e externas com sugestões de seu afrouxamento, evidenciando o grau de desconforto com esta restrição. Contudo, acredito que esta discussão é um erro de diagnóstico, especialmente agora. A principal causa dos problemas atuais é a condução da política fiscal e, no momento, com as âncoras fiscais enfraquecidas, a âncora monetária é a que resta.


O orçamento público desequilibrado - gastos superiores à capacidade arrecadatória - ao consumir parte da poupança, que poderia ser direcionada para produção e geração de emprego, reduz crescimento e piora a avaliação de solvência do País, pressionando a taxa de câmbio e a inflação. Mais relevante, o problema de sinalização que o enfraquecimento das regras fiscais e a atual incerteza sobre a condução dos gastos nos próximos anos causam na dinâmica da inflação no longo prazo pelo canal de expectativas. Com isso, o desconforto com a meta, que determina alta de juros e inibe crescimento, é apenas consequência da aceleração da inflação.


No modelo de política monetária sob credibilidade, o Banco Central se compromete com um patamar preestabelecido de inflação. A função-objetivo é minimizar o desvio da inflação à meta e o custo de atividade econômica. A experiência internacional mostra a importância da credibilidade - a capacidade de influenciar as expectativas - na obtenção deste objetivo, via o aprimoramento na comunicação dos bancos centrais com o mercado. Já a relação custo-benefício desta regra está na estabilidade das expectativas no longo prazo, no menor custo de desinflação e na menor volatilidade do crescimento do PIB quando condições adequadas são satisfeitas: solvência fiscal, abertura comercial e autoridade monetária independente.


Por isso, nesse contexto, discutir a meta pode adicionar pressão sobre as expectativas e causar o efeito inverso do desejado na função-objetivo. A importância da expectativa de inflação no curto prazo (12 meses à frente) no comportamento dos preços é bastante documentada. De acordo com o último Relatório de Inflação, o modelo agregado de pequeno porte do Bacen estima que expectativa de inflação 12 meses à frente é mais relevante que a inércia, que apresenta coeficiente de 0,49. Além disso, acredito que a inflação esperada no longo prazo (três anos) tem influência sobre a expectativa de curto prazo. Em artigo publicado em outubro, estimei que o coeficiente da inflação esperada no longo prazo sobre a expectativa de curto prazo estava em 0,8 na janela dos últimos 5 anos.


Mesmo assim, a importância das expectativas no comportamento da inflação não é assunto concluído. Em 2021, Jerome B. Rud, economista do Federal Reserve, mostrou em artigo que a baixa variância - a ausência de surpresas inflacionárias - nos EUA resultou em expectativas de longo prazo estáveis, o que reduziu sua influência na negociação de salários e no comportamento da inflação corrente. Contudo, considerando que não temos histórico longo de estabilidade de preços, a menor relevância das expectativas de inflação está longe de ser o caso brasileiro.


Então, dada a alta relevância das expectativas sobre a inflação corrente, qual seria o impacto de mudar a trajetória das metas para os próximos anos? Sabendo que no caso brasileiro a meta tem influência sobre as expectativas de inflação de longo prazo e de curto prazo, essa decisão aumentaria o custo de desinflar a economia, devido ao deslocamento para cima da trajetória da inflação em relação à esperada hoje (tudo mais constante).


Nossa história recente vai em linha com as evidências empíricas. No período de 2005 a 2016, onde a meta estipulada para o horizonte relevante de política monetária ficou inalterada em 4,5%, a inflação média foi de 5,98%, no limite superior do intervalo de flutuação. Resultado diferente do obtido entre 2017 a 2019 quando a meta foi cadente e a inflação média caiu para 3,88%, flutuando na banda inferior do intervalo. Acredito que a mudança na trajetória da meta contribuiu, mesmo destacando que a mudança na política fiscal entre esses dois períodos foi o fator crucial.


Nesse sentido, uma pergunta adicional seria qual o valor ótimo para a meta de inflação? Não há resposta fácil para esta pergunta, não há consenso sobre o conceito de "nível ótimo". O que sabemos é que deflação não é desejável, assim como inflação muito próxima de zero, devido à tendência dos índices de preços ao consumidor de superestimar o custo de vida. Ambas desincentivam a produção.


Tudo isso em mente, não parece recomendável flexibilizar a meta. O intervalo de tolerância de 1,5 p.p., existe para acomodar choques. Vale ressaltar que estamos num jogo repetido, assim a ilusão monetária é temporária - devido ao ajustamento das expectativas, a persistência inflacionária não gera mais crescimento. E, com mais de 20 anos de meta de inflação, estamos em estágio amadurecido desse arcabouço, por isso alterar sua trajetória, mesmo que seja a de curto prazo (meta ajustada), tem mais chances de enfraquecer o instrumento do que fortalecê-lo. Mais produtivo seria conversar sobre as regras fiscais.



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